domingo, 13 de setembro de 2015

Um só instante

É no instante que você mais precisa, no vazio, no sopro frio da vida, no momento interminável da espera, é aí que você perde tudo, que tudo acaba, que tudo se esvai. Não sobra uma gota de alento, a esperança cambaleia, e a menor das frustrações é como perder um mundo! Que me resta senão minha própria e ridícula ironia julgando sem remorso a agonia lenta de meus dias? Faço tempestades, crio dramas e me tranco em silêncio prolixo no fundo de meus pensamentos já não tão puros. O perigo da casualidade se expõe, tudo fica mais difícil, sorrir é algo raro e pedir socorro é traçar o próprio destino mórbido, cavar o chão e deitar-se na cova exposta. O mundo não suporta o torto, o mundo não suporta, não aceita esse instante sem ar, esse instante transviado. É preciso fingir, fingir e calar, fingir e esperar, até que o perigo passe ou te domine por completo.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Chegou o momento

Sacode o corpo, limpe bem a poeira que te amarela, abra os olhos e corra para o sol. Vá ver que tudo continua como antes, o vento no rosto, o chão molhado. O sol está brilhando, a tempestade é uma garoa distante. Não tenha medo, não se desespere, você não é mais o mesmo e vai sobreviver. Melhor é viver, seguir seu caminho, acostumar-se. Chegou o momento, você sabia que ia ser assim e agora precisa se reinventar, levantar enfim, correr por aí. Coragem, mais uma vez, a vida vem com pressa, a vida é insistente, a vida não se evita, a vida é uma roda.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A pura vertigem

Não quero nada mais, abrir a janela é já um esforço descomunal. Que dizer sair andando por aí, mover os lábios, respirar ar puro, me aventurar na luz do sol. Não quero nada! Apenas afogar-me no tempo, em devaneios, sentir nada além da vertigem, do vazio, da eterna espera. Sei que chegará o dia do sossego, mas agora, neste estalo de tempo, quero viver tudo num dia só, quero viver tudo em avalanches, em tormentas, em desmoronamentos. Que seja tudo vertiginoso, que seja uma queda livre sem precedentes! Que a gravidade me arremesse de vez neste chão chamuscado, espinhento e duro como a vertigem que me toma a cabeça. Que a loucura seja inevitável, que seja completa, onipresente, chega de rodeios, nada de questionamentos, faça sua parte e não se demore! O esforço já não me é permitido. Entrego sem cautela minha sanidade, e faça dela o que bem entender, mas que seja a pura vertigem, que seja a morte anímica do meu ser.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Sobre o tempo...

Vem tempo e dilacera tudo! Subjuga os fortes, derrota os firmes, ludibria os sobreviventes, continua semeando a desesperança e o caos. Resta ainda esta fagulha tímida, vacilando em corda bamba, esperando enfim o instante torpe do esgotamento. Vem tempo, extenua minhas dores, arruína meu corpo, apaga de vez o fogo brando que insiste, moribundo, em manter-me de pé.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Sentir

Sinto aos poucos o contorno desenhado de seu corpo e antecipo meu gozo tremendo ante a volúpia que minha imaginação suporta. No espaço fissurado de minhas mãos nuas, te envolvo por completo e te trago lentamente para dentro de mim. Passeie despreocupada por essas curvas, deslize devagar, acenda por dentro e me ateie fogo pelas extremidades. Desenhe seu contorno incendiário e derreta caprichosamente por entre meus dedos...

domingo, 14 de abril de 2013

Caminho torto

Quando já não se olha para trás, e a via se mostra reta como um traço, enfim transborda a dúvida traiçoeira, a dúvida rastejante. Deixa passar toda a lucidez, já se aproxima o vacilo mórbido forçando a via torta, tímida porém certa, escondida até o último momento de esperança. A certeza parece nunca ser devida, quase sempre se olha para trás.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Livre desforra

Não conheço o gosto da vingança, mas minha boca saliva e ebule quando a sua voz vem bagunçar meu espírito. Nunca provei o deleite da desforra, mas meu corpo balanceia quando a sua ignorância vem afrontar minha ira. Quisera ensurdecer os devaneios que saltam de entre os seus dentes. Quisera costurar ponto a ponto essa fossa lúgubre e fétida. Quisera ainda arrancar demoradamente as suas cordas vocais, cortando, lascando, fissurando com prazer cada centímetro da sua pele apodrecida. Ah inocente sabor da vingança, posso senti-lo agora muito próximo de minhas palavras. Ah doce deleite, em seu colo descanso minhas mãos sedentas de sangue. Ah livre desforra, continua a esperar aquietada entre os meus dedos, o seu dia logo irá chegar.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Eu quero alguém que...

Eu quero alguém que pule outra vez em minha cama, que desça correndo as escadas, que me faça sentir as distâncias percorridas por amor, que me sorria um sorriso de poucas manhãs, que baile somente, que me enlouqueça com a falta que me faz. Eu quero alguém que me acorde as três da manhã, que me diga somente obrigada por existir, que me asfixie de prazer, que ria de meus defeitos. Eu quero alguém que não me corresponda, que me chore lágrimas de saudades, que me questione de onde venho, que me faça beber e gargalhar, que venha sem receios de caminhar, e que me brilhem seus olhos, que me apertem seus dedos, que me grite sua boca, e que me sinta na pele assim como eu quero ser, único, narciso, sonhador!

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A espera

Que saia tudo de mim, nessas poucas palavras que jogo ao azar, e que nelas fiquem encravadas a espera que insisto em levar nos ombros, a doentia obsessão de ver todos os rostos da sua vida, meu orgulho de ser como quero, o seu riso dilacerante que nos faz igual, o sangue que por um momento deixou de passar por minhas veias, aquela rara sensação de não precisar mais de palavras e tantas outras coisas que agora me escapam e que você faz nascer com tanta naturalidade, que me confundo e nunca poderia dizer que não sou eu aquele que existe perto de você. Que tudo fique aqui nessas palavras e me deixe seguir, que meus passos vão com pressa e não suporto esperar.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Desencontros

Estou à minha margem mais uma vez, já não me basto no corpo que me limita, e tenho do pouco que me sobra, desse rio ignorante, o arremedo frágil soluçando quase sem ar, ranhuras apenas de vida. Ah doce sensação de estar à margem, me rasgue por inteiro, não tenha medo, eu quero ver meu corpo dilacerado pela chuva, quero estar no chão, enraizado na terra, eu quero reconhecer minha casa na ferida aberta pelo calor do sol, quero reconhecer minha alma nos meus restos mortais depois da tempestade, e que os dias passem, e me assole o gemido sincero das palavras, o frio da distância, a dor da perda, o dissabor do não dito sem receios. Que os dias passem, e me atravesse por completo a vida daqueles que não têm medo de viver da terra, dos que arrancam com as próprias mãos o sustento da alma, daqueles que cegados pelo céu, apostam sua riqueza nos grãos de areia, nas palavras simples, no toque das mãos, que me atravesse a vida dos que ainda vivem. Estou à margem de mim mesmo, me busco desesperadamente e não encontro senão o meu revés desajeitado.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Silêncios

É eu sei, é no seu silêncio que eu me reconheço, mas é preciso que seja assim, fugaz como toda partida. Eu sei, é no seu silêncio que tenho aprendido a curar a minha dor, é no seu silêncio que escuto a minha voz ecoando, é nele que eu gozo os meus prazeres mais cutâneos e me transformo em ser carnal, viril e saciado. Longe do ruído das ruas, é no seu silêncio que eu deixo escapar quem eu realmente sou, e me entrego a vós e a mim por completo, é no seu silêncio e nesse quarto mudo que tenho escutado gritos de ternura e presença sua, é no seu silêncio que eu me ouço. Mas é preciso que seja assim. Que gritem outras vozes, que não me reconheçam, que deixem passar de lado o silêncio necessário ao gozo. É preciso abrir-se ao mundo, e que ele nos coma por completo, e que nos envolva em silêncios, gritos e ruídos de paixão.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Que tudo permaneça

Que tudo permaneça assim, que não saia voando a vida pela janela que você acaba de abrir, deixa entrar toda essa luz, segura bem os seus cabelos e que o vento inunde essa casa de chuva, e me encharque desse seu olhar de mulher madura, e traga de vez a água fresca que eu buscava pra mim. Que tudo permaneça assim, que o seu sorriso lento continue a seduzir-me pouco a pouco, e que me contagie como um bocejo, e que do seu ar deslumbrante me reste sempre o seu fascinante jeito de menina e que nunca escorra de entre os meus dedos. Que tudo permaneça assim, ainda em mim, o seu cheiro, ainda em mim, o desejo de estar agarrado a seu mundo. Que você permaneça assim, tão viva como o próprio sol, que você permaneça, e irradie a beleza desse momento e que me acerte de vez essa enxurrada de vida e que escorra a minha alma definitivamente pro seu mundo.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Seu sabor

Passo eternamente a língua entre meus dentes, saboreio devagar a textura úmida cortando a volúpia de seu gosto ainda em meus lábios, engulo seu sabor a toque áspero de minhas mãos e parto outra vez a comer-te inteira com a mordedura de meus olhos em seu corpo, essa fresta de corpo escapando fugaz entre suas roupas me ferve o sangue e transforma os meus dedos em sexo, meu corpo todo em prazer premeditado, anunciando em voz baixa a nudez demorada de toda a sua sensualidade sórdida esperando o toque de minhas mãos, a mordida violenta de minha boca; vou te despindo lentamente, reconhecendo no meu paladar a delícia dessa parte inconcebível existindo entre seu colo e seus seios, cravo meus dentes, escuto minimamente seu grito de prazer e me perco, pequeno como uma semente, plantado em você, e num mesmo corpo extasiado, sendo nós e eu mesmo, morro, entregando-te meus fluídos e minha alma em devaneio.

domingo, 30 de maio de 2010

Seus olhos furtivos

É calado que eu espero, incondicionalmente, qualquer eco de presença sua, e vou criando em mim, com a destreza de minhas mãos em teu corpo, todo o nuance da luz do seu sorriso, em minha rua, em meus livros, em saber-me incapaz de reproduzir você por inteiro, e nesse desespero sigo desmanchando os sorrisos incautos fazendo-me cócegas, arremedos infiéis da candura tua, quisera saber por onde começar a apagar essa luz, conformar-me com o meu claro-escuro aparecendo diante de meus pés caminhando, saber-me cada vez mais submerso nessa claridade coloca-me outra vez à deriva, louco, imaginando platônicamente meu gozo nas pequenas partes desse encontro furtivo de nossos olhos, você sempre tão linda, desvio os olhos com as mãos relutantes, há tantas coisas rondando minha cabeça, e meu corpo à espera da sua luz, ilumina, faz viver com a sua malícia de menina o meu olhar cauto sobre seus gestos, traz de volta o prazer pro meu quarto escuro, desenha pouco a pouco, brinca de ser minha, me dá algo para tocar, me alivia da falta que me faz, vem de novo ser parte do meu mundo, sorria apenas, me conformo, seu sorriso é quase um mundo, caminha devagar, entrelaça as suas pernas eternas em mim, é com pouco que eu me farto, já não quero muitos pedaços de sombras, prefiro a brisa que você deixa passar, me abraça brisa, fugaz, que é com o desejo de ver-te aqui, a cinco centímetros dos meus olhos, que eu me apanho por completo, e vejo cada parte sua como um perfume, e me transformo, de vez, em amante infindável e deslumbrado de você.

domingo, 9 de maio de 2010

Desencanto

Juliana, agachada, pegava uma a uma as peças do seu vestido de noiva espalhadas pelo chão, enquanto pensava em voz alta - era costume antigo falar com o vento - que motivos teria Julián para sumir assim na última manhã juntos, ela que havia deixado o marido na porta do hotel, gastava o seu tempo em Julián, mal sabia que teria que inventar uma boa desculpa horas depois. Julián não queria a partida, despedir-se era um preço que ele não podia pagar. Tantas coisas havia perdido e ainda lhe escapava a lógica da vida, vê-la por última vez era borrar a sua presença para sempre, era inevitavelmente emoldurar o seu amor naquela imagem manchada do vermelho dos cabelos de Juliana. Julián não queria carregar um quadro nas mãos. Fugiu, como ela, para estar sozinho, sem as horas do tempo. Abriu os olhos na noite anterior, antes que ela pegasse no sono, e não os fechou mais, saiu ainda cedo, deixou suas marcas de cheiro de café, e água de chuveiro, tomou de assalto a bicicleta de Juliana, esqueceu-se do trabalho, da maturidade, do marido traído, e saiu como criança sorrateira, fugiu até a esquina, pedalando meio sem jeito, com as suas pernas torpes, deixava a casa e a vida para trás. Juliana queria congelar o tempo, carregar na memória a imagem de um amor desencantado, sem as certezas de uma vida, ela queria dar um lugar para esse amor escondido, para esse amor mais humano que o seu vestido de noiva. Era moça de guardar foto, lembrança e até rancor e ódio. Julián era mais misturado à terra. Ela menos. Foi seguindo as suas pegadas molhadas que ela chegou ao cheiro de café da cozinha e à porta aberta da garagem. Vestiu-se, como era de se supor, com o seu vestido de noiva - Juliana não era nada prática, esquecia-se sempre que o dia vem depois da noite. Sem a bicicleta não pôde mais que esperar. Julián estava ali, cansado da fuga voltou sem demora carregando a bicicleta nos braços com tanto zelo, prostrada num semblante de morte, aproximou-a de Juliana, ruiva como lhe atiçava os sentidos, e entregou o brinquedo arrependido do furto. "Fica mais um dia", pediu como quem perde um abraço, "não posso", Juliana olhava bem nos seus olhos, não queria perder nenhum detalhe do seu rosto de homem maduro, Julián achou normal o vestido de noiva, não disse nada, afastou-se devagar, olhou hesitante uma última vez os cabelos ruivos, não quis tocar nada, não era um quadro que ele queria, era a beleza de estar ali, não estava mais, voltou o corpo e como estava perto da casa, entrou logo fechando a porta rapidamente. A Juliana não lhe restava mais que reviver aquele ser sem vida deixado em seus braços, pedalar, e pensar numa boa desculpa.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Minha alma, minha herança eterna

E é assim que as coisas perdem o sabor de têm de coisa, e ficam à deriva, borrando a vista e o gosto, existindo numa matéria inerte chamada brevidade da vida.
Sem tempo e seco de lágrimas sigo perdido nessa hora eterna perto da morte e do sem sentido prazer da existência.
Chora peito!
Exaspera a sua dor...
Soluça esse ar quente,
molha bem os meus olhos,
agora é hora de chorar.
Morre minha alma!
Morre sem dor, sem lamento...
Vai para o seu lugar perto dos anjos,
leva com a senhora, minha alma, o meu amor inconteste!

Eu menino

Achei que tinha perdido entre as minhas terras vividas,
como quem vive uma vida curta,
e já nem me lembrava mais,
que em cada palavra eu deixava todo o desejo de uma noite não dormida,
nem me lembrava,
que havia falado de uma paixão em mim que já não conhecia,
que havia dito, tantas vezes, de uma vontade que transbordava,
que havia sido inocente como menino.

Mal lembro do tempo desde aqueles dias...
fui me perdendo.

Te escuto, e saboreio
sua voz me contagia de você,
te vejo, agora, trazendo a sua chuva doce pra mim.

Eu sei,
aprendi a desconfiar do amor
e o seu é tão de graça
que me inibe e me confunde e me comove
e não há maneira de não me molhar,
de não prever o mergulho,
de estar calado e seco dessa água.

Achei que tinha perdido,
achei!
pensei que tinha deixado pra trás...
mas eu continuo aqui,
meninamente,
bolindo com o meu sangue
ansioso por noites não dormidas
transbordando ainda em mim!

terça-feira, 9 de março de 2010

Ah insensatez

A palavra que você não quis dizer eu disse.
O olhar que você quis de mim, está com você, basta talvez fechar os olhos e imaginá-lo ou procurar bem nas suas coisas, nos seus desejos, e aí ele vai estar, estaria sempre.
A vida que eu poderia ter vivido a seu lado, está aí, na sua casa, silenciosa te dizendo diariamente "eu quero estar aqui".
De você, não sobrou nada em mim!
e sem querer eu me pergunto consciente, mesmo antes de te ver..."o que você quer?" e em seguida você responde, dissimulada, ignorante da sua propria condição inexistente, "não quero estar aqui!" já não está, ya no estás...
dessa vez resta o ridículo desamparo que mando embora sem receios, apontando a direção sem olhar pra trás. "Adeus", digo, "insensatez".

Cortázar

"Como no sabías disimular me di cuenta en seguida de que para verte como yo quería era necesario empezar por cerrar los ojos."

quarta-feira, 3 de março de 2010

Portuñol

Aos poucos vou (re) aprendendo meu português