sábado, 26 de fevereiro de 2011

Desencontros

Estou à minha margem mais uma vez, já não me basto no corpo que me limita, e tenho do pouco que me sobra, desse rio ignorante, o arremedo frágil soluçando quase sem ar, ranhuras apenas de vida. Ah doce sensação de estar à margem, me rasgue por inteiro, não tenha medo, eu quero ver meu corpo dilacerado pela chuva, quero estar no chão, enraizado na terra, eu quero reconhecer minha casa na ferida aberta pelo calor do sol, quero reconhecer minha alma nos meus restos mortais depois da tempestade, e que os dias passem, e me assole o gemido sincero das palavras, o frio da distância, a dor da perda, o dissabor do não dito sem receios. Que os dias passem, e me atravesse por completo a vida daqueles que não têm medo de viver da terra, dos que arrancam com as próprias mãos o sustento da alma, daqueles que cegados pelo céu, apostam sua riqueza nos grãos de areia, nas palavras simples, no toque das mãos, que me atravesse a vida dos que ainda vivem. Estou à margem de mim mesmo, me busco desesperadamente e não encontro senão o meu revés desajeitado.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Silêncios

É eu sei, é no seu silêncio que eu me reconheço, mas é preciso que seja assim, fugaz como toda partida. Eu sei, é no seu silêncio que tenho aprendido a curar a minha dor, é no seu silêncio que escuto a minha voz ecoando, é nele que eu gozo os meus prazeres mais cutâneos e me transformo em ser carnal, viril e saciado. Longe do ruído das ruas, é no seu silêncio que eu deixo escapar quem eu realmente sou, e me entrego a vós e a mim por completo, é no seu silêncio e nesse quarto mudo que tenho escutado gritos de ternura e presença sua, é no seu silêncio que eu me ouço. Mas é preciso que seja assim. Que gritem outras vozes, que não me reconheçam, que deixem passar de lado o silêncio necessário ao gozo. É preciso abrir-se ao mundo, e que ele nos coma por completo, e que nos envolva em silêncios, gritos e ruídos de paixão.