quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Do que sempre foi

Vem a mão grossa da saudade bater na cara da gente.
Vem outra vez mais encharca-nos nesse barro ainda morno.
Destapa esse frasco seco,
Aguça meus ouvidos,
Faz-me de novo ver os meus olhos meninos, com a cara no chão, com o peito rente molhado a mijo.
Vem me fazer chorar!

À espera

Espero conformado a minha hora da vida, como quem espera a sua hora da morte, suando frio, tremendo imóvil. Rezo em vão textos desacreditados, deixo à sorte meu pedaço de morte em vida.
Que há de se fazer com todo o tempo desperdiçado, que há de se fazer com toda a ternura, que há de se fazer com toda a lembrança lembrando mal acostumada na espera da gente?
Me resta a certeza da minha hora da vida, o lamento triste existindo em mim até a minha hora da morte, na minha espera falecida.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Sem os pontos

É devagar que eu desisto, é lentamente. É perdendo de vez a ilusão de maturidade. Vou deixando que ela me convença que não dá mais, que não tem mais volta, do café ao lamento sem gozo da janta, deixo claramente, desisto, insatisfeito e sem mastigar. Perco a fala, me confundo, vou me entregando antes do começo. Pude somente esboçar uma furia vaidosa, dirigida a não sei quem. Não dá, não sei fazer, não quero. Já me cansei de falar, de escutar sua voz solene sua voz eterna, inalcansável, dona da casa e até da comida. Me cansei dessa voz ingerida, absorvida no sangue, incrustada no meu corpo como o cheiro azedo dessa casa. É lentamente que eu morro, é muito devagar que ela me faz perder a vida. Vem com a chuva, essa voz, esse cheiro, essas lágrimas eternas, esse ar insuportável chuvendo em mim grosso, desde o céu e entrando pelas janelas e portas fechadas, insinuando-se entre as frestas, por debaixo das coisas. Vem trazer a chuva pra dentro de mim, vem me molhar de sal, vem me matar, vem me calar, vem, lentamente, me fazer desistir, me fazer lamentar, não dá, não sei fazer, não quero.