domingo, 25 de maio de 2008

Queria dizer...

Queria dizer, minha falta de tato, meu limite de mim. Essa coisa, invisível, contendo meu entorno, protegendo o ar do meu frio denso. Isso. Esse hálito sem gosto, seco, não reprimido, que volta a mim numa vingança imediata das coisas que disse, secando-me as lágrimas dos olhos, queimando meu estômago, revolvendo tudo que comi calado. E esse quase vômito é o pago da minha falta de tato. Isso te contava, isso queria dizer. É como a culpa por ver meu ego, arrependimento de mostrá-lo a mim, agrandado. Mais devagar voce diz? Meu tempo?

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Necessitade de algo

Necessitava mais. Queria uma dose mais de amor criado, dessa coisa sem tempo que ele ia inventando entre os dois. Era pouco, pensava, nao bastava a troca de fluidos, a fuga fortuita entre falas absurda de desamor, nao bastava um sorriso na cara, o cheiro de gozo. Criava algo mais, dilatava o tempo do comer e do saborear, cuspia fora o gosto de terra, convertia o barulho da chuva em melodia pensada, preso a um ser distante dele, perdido em algum lugar da historia. Seguia insuportavelmente seu desejo de amor inventado, palido, perdendo do amor seu casual jogo de sombras e aparencias.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Esquiva

Muito tempo passei com meu egoismo, te apagando, te esquivando, desmisturando o mundo. Respirava do seu rastro o pó acido da desesperança, do esquecimento. Queria matar algo em mim, algo alheio, incrustado minusiosamente em minha pele e em meu cheiro saturado, tao ligado a meu ser, tao pertencente a mim, que mata-lo seria um suicidio consciente. Mas era preciso morrer uma morte rapida, era preferivel cometer um crime insano que seguir privando-me de ar, seguir afundado na poeira de seus pés caminhando. Nao pude, nao tive maos fortes, a corda atada a mim nao foi o bastante, nao pude cortar-me em pedaços, nao fui capaz de saltar do decimo andar, rasgar-me as entranhas, destroçar-me. Matei-me pouco, superficialmente. Moribundo e mais ameno, vi meu absurdo egoismo, meu destino guiado por olhos torpes e sujos de seu suor, de meu fracasso, nao pude morrer nem matar-te. Voce segue viva sem mim, sem meu sopro. Te dei as costas covarde, para que rasgasse com as unhas meu corpo ao contrario, voce nao conseguiu, tampouco soube o que fazer naquele momento. Era preciso um ranger de dentes, ou uma troca de olhares. Nada. Nao houve nada entre nós. Nao temos lugar, nao temos mais historia, nao temos prazer em meu egoismo. Era preciso matar-me.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Ilusao Amarela

Bailaba. Movia o corpo sem pudores com violencia ruidosa, deixando todos estáticos ali, em suas danças mediocres sem cor, ela bailaba amarela, um amarelo sonoro que reverberava em mim, sujeitando meus olhos a uma dança que nao sabia ate entao, seguindo seus cabelos loiros, conhecendo pouco a pouco os seus contornos translucidos, iludindo o tempo e o espaço, movimentando-se em meus olhos lentamente, desenhando-se a mim em um fundo escuro, com lapis brando, um permanente rabisco, acompanhando seu grito de vida, seu violento bailar extasiado. Fui me afundando ali, apagando os bordes de minha visao, borrando o excesso de luz, esquecendo involuntariamente tudo que nao fosse minha ilusao amarela, minha ilusao sonora, porque já era minha aquela dança, já era meu aquele contorno, já era minha aquela irrefreavel vontade de vida.

sábado, 3 de maio de 2008

Desejo com saudade

Está tudo aqui, nesse meu brinquedo azul refletindo seus olhos redondos de flor. Está tudo aqui nessas pequenas coisas intangiveis. Um hoje repassado por mim, estremecendo meu corpo e meu desejo impotente de voltar a ver, de seguir embriagado seus tortos passos inseguros, seu caminhar instavel como um voo raso de garça. Que beleza eu via ali! Era um espetaculo incalculavel, ver-te e seguir seus movimentos de menina, sem medos alheios, como quem balança desprevenida de um galho de arvore seca, como quem caminha por sobre uma fina linha imaginaria, traçada rigorosamente reta, um cair a cada segundo, um quase destroçar-se, sentir-se livre da gravidade do mundo, seguir apenas, com o peso do seu corpo. Está tudo aqui, na sua quase presença. Esse caminhar, essa troca de passos, esse corpo desnudo, talhado molde de minhas maos e de minha boca saciada. Está tudo aqui, na sua quase presença intacta e ausente de vida. Esta tudo nesse sentimento que vem as vezes, seguido de um cavar de terras e passados, de um insistente desejo de maturidade, caminhando comigo um dia inteiro, ao meu lado como um braço ou um som relembrado, torto, esse som familiar de seus pés em meu quarto escuro. Voce é essa sua presença sem vida, voce é meu brinquedo azul, suas palavras andantes, é minha saudade e minha linha imaginada.

Maos sedentas

Buscar a dor seria absurdo, encontrar prazer em cavar a terra com maos conscientes, permanecer imovel em postura quadrupede com as maos em frente ao rosto, afundando-se em chao molhado, sentir esse cheiro de grama e barro, afundar-se ai com boca sedenta...seria absurdo. Quanta calma ha em sentir-se unico dono inalcançavel do seu proprio desamparo, de sua propria fonte de dor. Deus e filho num unico corpo castigado, dilacerado entre saliva e dentes.