sexta-feira, 25 de abril de 2008

Taça de café

Balançava friamente a taça de café, me via desfigurado e torto na pouca luz refletida de dentro da taça, se passasse uma onda por todo meu rosto, descompondo olhos e bocas, se passasse uma onda indo a chocar-se com meu mundo emparedado pelos bordes de uma minuscula taça branca, voltando de novo a mim, começando agora pela garganta, suplicando um grito, logo pregando minha boca muda com grampos de mulher, para desgrenhar de vez meus cabelos já revoltos pelo vento e por anos de embriaguez, e nesse movimento seguisse, nao fosse por vontade de minha mao direita, que cansada já do jogo, o interrompia para em seguida inventar outro, menos deliberado, vindo de fora, de tras de mim, de minhas costas sem luz, se passasse uma onda por todo meu corpo e entrasse em meu cranio, passando antes pelos orificios de minhas orelhas, seria um jogo fantasioso, descobrir mundos e inventar historias para os primeiros sons e palavras, vindos de passados vividos, ainda nao mortos, chegando a mim timidamente, imaginando quem sabe uma frieza minha, uma prepotencia minha por nao querer dar volta na cadeira, nao querer seguir contando historias, seguir aumentando o alvoroço de sons e desejos explicitos, mas nao era assim, eu os escutava com aprecio, como se os visse, como se os tocasse, a garrafa de vidro resvalando insegura sobre a mesa do bar, esse som opaco, cheio de outros menores como quem carrega consigo uma bagagem enorme em uma viagem de trem, as vozes graves e femininas que se confundem em um canto infantil, batendo em mim como as ondas de minha taça de café frio, despertando-me de minha consciencia, se passasse uma onda por todo meu corpo, quanto historia haveria naquele som fastidioso da maquina de café, no pedido do homem alto da mesa ao lado, no latido do cachorro que viria da rua e seria tao claro e verbal seu pedido esfomeado, que confuso eu nao saberia se estava ainda na porta de entrada ou já a meu lado, latindo e falando coisas sem sentido, e aquele cachorro seria o meu cachorro, que me seguia, já certo do abandono, porque eu já nao podia mais, já nao suportava mais o seu ruidoso desejo de vida, e ele sabendo minha decisao, tentaria sem sucesso um ultimo pedido de clemencia, eu ali parado, frente a taça de café, se passasse uma onda por todo meu rosto, se passasse uma onda por todo meu corpo, descompondo olhos e bocas e certezas, meu passado quem sabe seria de novo vivido, por mim contado, ou talvez cego e mudo, seguria parado entre sons e uma taça de café.

2 comentários:

Fabrissa Valverde disse...

ANTES DEL COMIENZO

Ruidos confusos,
claridad incierta
Otro día comienza.
Es un cuarto en penumbra
y dos cuerpos tendidos.
En mi frente me pierdo
por un llano sin nadie.
Ya las horas afilan sus navajas.
Pero a mi lado tú respiras;
entrañable y remota
fluyes y no te mueves.
Inaccesible si te pienso,
con los ojos te palpo,
te miro con las manos.
Los sueños nos separan
y la sangre nos junta:
somos un río de latidos.
Bajo tus párpados madura
la semilla del sol.
El mundo
no es real todavía,
el tiempo duda:
sólo es cierto
el calor de tu piel.
En tu respiración escucho
la marea del ser,
la sílaba olvidada del Comienzo.


Octavio Paz

Victor Longo disse...

El nuevo José Saramago.